domingo, 20 de maio de 2012




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— Você sugere em seus livros que a liberação sexual não é tanto o colocar em jogo as verdades secretas sobre si mesmo ou sobre seu desejo quanto um elemento do processo de definição e construção do desejo. Quais são as implicações práticas desta distinção?

— O que eu gostaria de dizer é que, em minha opinião, o movimento homossexual tem mais necessidade hoje de uma arte de viver do que de uma ciência ou um  conhecimento científico (ou pseudocientífico) do que é a sexualidade. A sexualidade faz parte de nossa conduta. Ela faz parte da liberdade em nosso usufruto deste mundo. A liberdade é algo que nós mesmos criamos — ela é nossa própria criação, ou melhor, ela não é a descoberta de um aspecto secreto de nosso desejo. Nós devemos compreender que, com nossos desejos, por meio deles, instauram-se novas formas de relações, novas formas de amor e novas formas de criação. O sexo não é uma fatalidade; ele é uma possibilidade de aceder a uma vida criativa.

— No fundo, é a conclusão à qual você chega quando diz que devemos experimentar tornar-nos gays e não nos contentar em reafirmar nossa identidade de homossexual.

— Sim, é isto. Nós não devemos descobrir que somos homossexuais. 

— Nem descobrir o que isto queira dizer?

— Exatamente, nós devemos, antes, criar um modo de vida gay. Um tornar-se gay.

— E é algo sem limites?

— Sim, claramente. Quando examinamos as diferentes maneiras pelas quais as pessoas têm vivenciado sua liberdade sexual — a maneira que elas têm criado suas obras de arte, forçosamente constatamos que a sexualidade tal qual a conhecemos hoje torna-se uma das fontes mais produtivas de nossa sociedade e de nosso ser. Eu penso que deveríamos compreender a sexualidade num outro sentido: o mundo considera que a sexualidade constitui o segredo da vida cultural criadora; ela é mais um processo que se inscreve na necessidade, para nós hoje, de criar uma nova vida cultural, sob a condução de nossas escolhas sexuais.

— Na prática, uma das conseqüências dessa tentativa de colocar em jogo o segredo é que o movimento homossexual não foi mais longe do que a reivindicação de direitos civis ou humanos relativos à sexualidade. Isso quer dizer que a liberação sexual tem se limitado ao nível de uma exigência de tolerância sexual.

— Sim, mas é um aspecto que é preciso afirmar, de início, para um indivíduo ter a possibilidade — e o direito — de escolher a sua sexualidade. Os direitos do indivíduo no que diz respeito à sexualidade são importantes, e mais ainda os lugares onde não são respeitados. É preciso, neste momento, não considerar como resolvidos estes problemas. Desde o início dos anos sessenta, produziu-se um verdadeiro processo de liberação. Este processo foi muito benéfico no que diz respeito às mentalidades, ainda que a situação não
esteja definitivamente estabilizada. Nós devemos ainda dar um passo adiante, penso eu. Eu acredito que um dos fatores de estabilização será a criação de novas formas devida, de relações, de amizades nas sociedades, a arte, a cultura de novas formas que se instaurassem por meio de nossas escolhas sexuais, éticas e políticas. Devemos não somente nos defender, mas também nos afirmar, e nos afirmar não somente enquanto identidades, mas enquanto força criativa.



http://revistas.pucsp.br/index.php/verve/article/viewFile/4995/3537




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