terça-feira, 4 de outubro de 2011


Como um menino aprende a ser homem
Michael Kimmel

Como ativista e pesquisador do tema da masculinidade, frequentemente me perguntam: onde é que ela começa? Como é que um menino aprende sobre a masculinidade? Embora as imagens da masculinidade nos cerquem, nos bombardeiem diariamente, foi apenas observando as experiências do meu filho Zachary que eu vi com tanta clareza como alguém chega a entender que a masculinidade é uma performance, uma pose, uma postura, como ela é extraída de nós e o preço psíquico e físico que isso exige.

Abaixo estão vinhetas de três momentos diferentes do processo.

1. 3 ANOS DE IDADE

Zachary gostava de jogar um jogo que chamamos de “opostos”. Você sabe como é: eu digo uma palavra, e ele me diz o contrário. É simples e divertido, e já jogamos bastante. Uma noite, minha mãe estava nos visitando e nós três estávamos caminhando no parque da vizinhança jogando Opostos. Áspero/suave, alto/baixo, rápido/lento – enfim, já deu pra entender. Então minha mãe perguntou: “Zachary, qual é o oposto do menino?”.

Meu corpo inteiro ficou tenso. “Lá vem”, eu pensei: Marte e Vênus, o sexo “oposto”, o gênero binário.

Zachary olhou para sua avó e disse: “Homem”.

2.  8 ANOS DE IDADE

Quando o oitavo aniversário de Zachary se aproximava, eu e sua mãe perguntamos qual tema ele queria para a festa. Nos dois últimos anos havíamos comemorado na pista de gelo local – a mesma onde ele joga hockey com seu time aos sábados pela manhã. Ele rejeitou a ideia. “Já fizemos isso antes, pai. Além disso, eu patino lá o tempo todo”.

Outros temas que outros meninos da turma tiveram recentemente – uma festa com atividades e brincadeiras, um jogo de futebol ou uma caça ao tesouro – foram sumariamente rejeitaidos. O que ele poderia querer?

“Uma festa de dança”, ele disse finalmente. “Com um globo espelhado”.

Eu e sua mãe nos entreolhamos. Perguntamos: “Dança? Mas Zachary, você só tem oito anos”. “Não, não estou falando de dança“, disse ele, fazendo aspas com as mãos. “Estou falando de coisas como Cotton Eyed Joe, Virginia Reel, Cha Cha Slide e outros jogos de dançar”.

Assim fizemos então: uma festa dançante – para seus 24 amigos mais próximos (a escola incentiva que convidemos toda a turma). Com uma parcela igual de meninos e meninas.

Todas as doze meninas dançaram entusiasmadamente. “Essa é a melhor festa do mundo!”, disse Grace. As outras exclamavam em concordância.

Quatro dos garotos, incluindo Zachary, dançaram junto. Eles também estavam se divertindo bastante.

Quatro outros garotos chegaram, observaram a cena e imediatamente se dirigiram a uma parede, onde cruzaram os braços sobre o peito e se recostaram. “Eu não sei dançar”, disse um deles. “Eca”, disse o outro. Eles assistiram e eventualmente tentaram interromper a dança, parecendo zombar dos dançarinos enquanto se enchiam de petiscos e não aparentavam estar aproveitando a festa.

Outros quatro garotos começaram a tarde dançando alegremente, sem nenhuma pitada de vergonha. Mas aí eles viram os garotos encostados na parede. E um a um, pararam, se dirigiram à parede e observaram o restante.

Só que não dava pra manter a pose por muito tempo. Depois de ver as crianças fazendo passos de dança hilários eles voltavam atrás, dançando como demônios, apenas para depois parar, observar os meninos da parede e voltar para a mesma.

Da pista à parede eles foram a tarde toda, alternando entre o entusiasmo e o receio, entre dançar alegremente e observar com desgosto. Meu coração doía por eles enquanto eu observava seu impasse entre serem crianças ou rapazes.

Ou entre serem pessoas ou rapazes. Serem pessoas capazes de uma ampla gama de prazeres – de acabar com os rivais no placar do hockey e fazer aquela exclamação vitoriosa em que se fecha os punhos e se puxa o cotovelo pra trás a dançar a quadrilha com seus parceiros no Cotton Eyed Joe. Ou serem rapazes, para quem o prazer se define agora por tirar sarro da alegria dos outros.

Oscilando entre a masculindade infantil e a adulta, eles estavam fazendo escolhas, e dava pra perceber o quão agonizante era fazê-las. Eles odiavam ficar na parede, e lá permaneciam até não conseguir aguentar. Mas uma vez que voltavam à pista, estavam agudamente conscientes que eram agora objetos do ridículo.

Lembrei disso esses dias quando outro jornalista fez uma pergunta que provavelmente me fazem uma vez por semana, cada vez que um jornal ou revista “descobre” que os homens estão confusos sobre o que significa ser homem atualmente.

Esse é o preço que pagamos para ser homens: a supressão da alegria, da sensualidade e da exuberância. E a compensação é se sentir superior aos outros estúpidos que tem a audácia de se divertir.

Eu torço para que meu filho resista à parede e siga dançando como criança.

3.  10 ANOS DE IDADE

Enquanto Zachary e eu íamos à escola, fiz-lhe a mesma pergunta que costumo fazer aos jovens na universidade e nas escolas de ensino médio. “O que você acha que significa ser um homem?”.

Zachary pensou por um momento. “Engraçado, pai”, falou. “Nós estavamos falando sobre isso no time de futebol. Um dos meus colegas disse ‘quem se importa se você está machucado? Você tem de ser homem, ser forte o suficiente pra jogar mesmo com dor’. Então eu acho que significa ser forte”.

Alguns passos depois, ele parou de caminhar. Em um daqueles momentos bem familiares para qualquer pai ou mãe, ficou ali parado, tão perplexo que dava pra imaginar as engrenagens trabalhando dentro da sua cabeça. “Na verdade, pai”, ele disse, “eu acho que não significa ser forte. Eu acho que significa fingir ser mais forte do que você é”.


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